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de internet via satélite e ferramentas de teleconferência.    território. Ao tentarem romper o isolamento cultural
Desse modo, as crianças das ilhas puderam acompanhar          e geográfico, as propostas pedagógicas das escolas
em tempo real as aulas de disciplinas específicas que não     visitadas proporcionaram movimentos de abertura, de
eram oferecidas em suas escolas. E interagir com seus         criação de pontes entre as ilhas e o continente. Mostraram
pares a distância, compartilhando a sala de aula com          o que representa o isolamento de uma população e quais
alunos de escolas parceiras localizadas em outras regiões     perspectivas a educação pode propor para auxiliar
da Itália. Além das câmeras e monitores, que permitem         a comunidade a realizar novas travessias. Um dos
que os alunos vejam e sejam vistos em ambas as escolas        aprendizados que se podem ter com essa experiência está
(ilhas e continente), as salas de aula contam ainda com       relacionado à ligação entre identidade e território, muito
uma lousa digital cujo uso é compartilhado também em          relacionada com as questões de quem se é, o que se faz,
tempo real. Assim, uma mesma atividade pode ser feita na      onde se mora, do que se brinca.
lousa de modo colaborativo entre crianças das diferentes
escolas. Como exemplo, um texto que é escrito na lousa            A partir de uma estratégia de valorização do território,
da escola de uma das ilhas é visto e pode ser também          escola e comunidade se apropriaram das mídias como
editado na lousa da escola do continente.                     ferramentas de auxílio na construção de sua historiografia.
                                                              De um lado, o museu de uma antiga fábrica de conservas
    Embora o primeiro projeto de interação entre escolas      de atum, patrimônio do município de Favignana, valoriza
das ilhas entre si, e das ilhas com o continente, batizado    as narrativas de antigos moradores. A exposição de
de Marinando, tenha vivido seus dias de plena realização,     relatos históricos de quem vivenciou o passado da ilha,
no ano de 2007, os desafios ainda são muitos16. A política    em memórias gravadas e acessíveis à comunidade e aos
de austeridade, assumida a partir de 2008 para combater       turistas, através de hologramas, possibilita uma presença
a crise econômica europeia, fez com que os cortes de          corporificada de quem já não pode mais estar presente.
verbas atingissem duramente a educação, acarretando           Existe nos projetos do museu uma ênfase muito grande na
retrocessos na realização do projeto. Mas, mesmo com          busca por essa reconstrução que passa muitas vezes por um
as dificuldades de financiamento, as tecnologias digitais     resgate das práticas corporais associadas ao trabalho, mas
e as mídias continuam a ser usadas pedagogicamente            também aos momentos de lazer. De outro lado, a escola
para legitimar as escolas das ilhas, abrindo as escolas       se dispõe a fazer registros e produções midiáticas com
ao mundo ao mesmo tempo em que buscam reforçar os             seus alunos a partir das investigações sobre as histórias
saberes e contextos locais. Mais do que proporcionar          do lugar. Dentre as práticas pedagógicas que se teve a
uma educação às crianças considerada de qualidade,            oportunidade de acompanhar durante a estada nas ilhas,
projetos que resgatam a memória local, envolvendo             foram selecionadas algumas que sugerem possibilidades
criação e veiculação das produções dos alunos que             metodológicas para o uso de tecnologias em contextos
habitam as ilhas, tornam a escola um lugar especial de        educativos em geral e nas escolas do campo em particular.
experimentação didática e inovação. Assim, a apropriação
e o uso das tecnologias digitais têm sido cada vez mais           O primeiro exemplo parte da experiência de uma
valiosos no empoderamento da população local. Além            turma de alunos17 que visitou uma antiga prisão de
do já citado estímulo para que as famílias permaneçam         perseguidos políticos do regime fascista de Mussolini,
nas ilhas, a veiculação das próprias produções midiáticas     situada em Favignana. Na primeira e única visita que
pela internet é hoje um caminho curto e economicamente        fizeram ao local, que é fechado para visitações públicas,
viável para reforçar a cultura local e atravessar fronteiras  as crianças se surpreenderam ao encontrar, dentro do
geográficas, de discursos, de pensamentos. É um grito         cárcere, salas estreitas e sem tetos onde inimigos políticos
de socorro audível ao resto do mundo, mas também um           eram depositados à mercê das intempéries. No chão e
canto que celebra e compartilha a própria existência.         nas paredes, os alunos encontraram registros escritos e
Em um contexto de isolamento tanto geográfico quanto          desenhos que corporificavam a presença de quem ali foi
econômico, as escolas foram transformadas com o uso das       forçado a entrar e muito provavelmente não saiu com
tecnologias digitais. amTornaram-se referências culturais     vida. Eram marcas profundas de escrituras, ação direta das
das comunidades e ajudaram a reconstruir as relações de       mãos contra a pedra: protestos, denúncias, declarações de
pertencimento e identidade da população local.                amor, tristeza, saudade. As fotografias feitas pelas crianças
                                                              com as câmeras de celular e tablets tornaram-se parte
    As escolas transformaram-se em ponto de referência        de um projeto pedagógico mais amplo, que se propôs a
da população das ilhas como instrumento de voz                estudar a razão de ser desse presídio e a história (apagada
ativa ao levantar a bandeira pelo não esvaziamento da         e ocultada) das pessoas que nele sofreram as condições
população local e pela preservação da identidade da           desumanas estabelecidas por um poder ditatorial. Os
ilha. Ocupam hoje um lugar central na valorização dos         registros fotográficos foram cuidadosamente colocados
saberes locais, fortalecendo os laços entre população e       pelos alunos em uma plataforma que simula um museu

      Educação (Porto Alegre, impresso), v. 38, n. 3, p. 424-433, set.-dez. 2015
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