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Educação, território e tecnologias digitais 431
virtual18 onde os movimentos de um avatar proporcionam de vista a importância de conhecer e fortalecer as lutas
a sensação de espacialidade que simula um museu físico. dos povos do campo por território, terra, teto, respeito,
Nessa proposta, cabe observar a agência e participação dignidade. Pela legitimação dos “outros” saberes, por um
das crianças, que por meio da tecnologia registraram seu outro projeto de campo.
olhar, seu enquadramento, suas opções do que focalizar
e do que excluir em cada foto. E que, com um minucioso Ao conectar as escolas das Ilhas Egadi ao mundo
trabalho de pesquisa e criação, recontaram e deram e ancorá-las ao próprio território, elas nos ensinam a
dignidade às histórias encontradas na prisão. Em casos construir com as crianças novos sentidos para as relações
como esse, as tecnologias se mostram valiosas e talvez até entre o global e local. O exercício de alteridade que os
mesmo essenciais para o potencial crítico e emancipatório encontros com outras pessoas e outras realidades pode
de um projeto educativo. proporcionar, por exemplo, é um dos princípios que
orientaram o projeto Brazil Calls Egadi21, desenvolvido
O Brasil também passou por um regime ditatorial entre duas escolas brasileiras – uma em Florianópolis e
violento, cujas marcas estão registradas até hoje, nos outra em Rio do Sul – e as escolas das Ilhas Egadi. Estas,
corpos, afetos e memórias das pessoas que sobreviveram formando pequeno arquipélago localizado na Sicília,
às perseguições. Trata-se de uma triste lembrança que no sul da Itália. Iniciado no segundo semestre de 2013
precisa se manter viva para que situações similares não e ainda em andamento, o projeto faz uso de diferentes
se repitam em nossa sociedade. Esse é um tema, entre linguagens e plataformas digitais para que crianças
tantos outros, que pode ser trabalhado, com o auxílio brasileiras e italianas que cursam, aqui e lá, o 5º ano do
das tecnologias, tendo os alunos como protagonistas do ensino fundamental, possam tanto falar delas próprias e
processo educativo. do lugar onde vivem quanto escutar de outras crianças
o que é “ser criança” em um contexto social, cultural,
Outro exemplo é a proposta de criação de um livro linguístico, geográfico diverso.
digital (e-book) coletivo, com a participação de todos os
alunos de uma mesma classe multisseriada19. Nas escolas ***
das Ilhas Egadi, os alunos se dedicavam a criar livros digi-
tais com temas variados. Construído de modo colaborativo, Experiências pedagógicas como as apresentadas
o tipo e a complexidade da participação variavam de acordo neste texto se dão buscando diversas formas de lingua-
com a faixa etária. Durante a visita à escola, a turma de gens e diferentes graus de complexidade. Por exemplo,
educandos com faixa etária entre 11 e 12 anos desenvolvia por meio do desenho, da fotografia, do vídeo, da oralidade,
um projeto de entrevistas com a comunidade da ilha para dos jogos de representação, das pesquisas bibliográficas,
registrar a história da pesca do atum, tão importante na das entrevistas – todas estratégias valiosas também
cultura local. Das entrevistas e visitas ao museu surgiram quando se utilizam tecnologias digitais. A partir do uso
produções audiovisuais, que podiam ser autônomas, dessas tecnologias, são tecidas aproximações entre escola
compondo o museu virtual, ou servir de ilustração no e comunidade, entre crianças e adultos, entre alunos e
livro que eles estavam construindo. Outras ilustrações da professores, entre jovens e idosos, entre crianças menores e
obra eram feitas através de fotos, desenhos, documentos crianças maiores. Romper com o isolamento é um processo
originais e criações artísticas variadas que poderiam ser muito mais complexo do que instalar um equipamento para
digitalizadas. O registro de voz (podcasting), além de entrar aulas a distância. É preciso exercer a reflexão crítica, a
como narrativa do livro (audiobook), compõe ainda outras valorização da cultura local, das memórias e das lutas do
propostas pedagógicas, como a sensibilização auditiva e o presente que ajudam a tecer laços de pertença ao território.
trabalho com diferentes sotaques e dialetos.20 Promover rupturas, atribuir novos sentidos às tecnologias
digitais. Questionar seus modos de produção, seus usos,
Num contexto brasileiro – e fala-se aqui em escolas suas relações com o mercado. É preciso, com práticas como
que possuam no mínimo o acesso a um computador ou a essas, suscitar reflexões entre crianças e jovens, para que
um equipamento para registro de vídeo, como um celular se reconheçam como atores sociais e possam se assumir
ou uma câmera fotográfica digital –, pode-se pensar em como sujeitos de suas práticas, sentindo-se encorajados
estratégias que instiguem os estudantes a refletir sobre a a participar ativamente das decisões que envolvam suas
história e sobre a cultura do lugar onde nasceram e estão vidas e comunidades.
crescendo. Em possibilidades de aulas com temáticas
escolhidas coletivamente, que contribuam para a formação A aproximação com experiências pioneiras no
estética e crítica dos alunos, da mesma forma com que exterior mostrou-se um passo para conhecer processos de
as crianças de Favignana usam as tecnologias digitais apropriação das tecnologias digitais que podem auxiliar
para buscar a história local, o resgate da cotidianidade do no fortalecimento de uma educação crítica voltada ao
lugar passa também pelo lúdico, pela festa, pelo esporte, exercício da cidadania e à valorização do território e
pelos modos de lidar com o corpo. Tudo isso, sem perder dos saberes locais. E a experiência das escolas das Ilhas
Educação (Porto Alegre, impresso), v. 38, n. 3, p. 424-433, set.-dez. 2015

