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426 Iracema Munarim, Rogério Santos Pereira, Gilka Girardello
a importância do enfoque sociológico, do “território constantemente sem condições de navegação, foi preciso
usado”, como apresentado por Milton Santos6. Ele usa esperar a chegada da primavera para agendar a visita. A
essa expressão para diferenciar o enfoque sociológico do chegada à região se deu por via área, de Milão a Trapani,
enfoque geográfico padrão. cidade siciliana onde um aeroporto militar foi aberto
recentemente (no ano de 2003) ao tráfego civil, tornando-
A ideia de “território usado” está associada às se a principal porta de acesso à Sicília ocidental. Após
dimensões simbólicas como elemento central nas o deslocamento de táxi até a região portuária, a viagem
transformações de um território, nas suas configurações de Trapani até a ilha de Favignana segue sobre as águas
inacabadas, provisórias e mutáveis, reforçadas pela a bordo de um aliscafo8 em velocidade razoavelmente
importância do papel de seus atores sociais. rápida (35 nós). Custa cerca de 8 euros e dura em média
45 minutos, sendo 30 minutos de trajeto até a primeira
Levando em consideração essas questões, a con- parada: a ilha de Levanzo, a menor do arquipélago.
tinuação deste artigo apresenta três momentos. O primeiro
descreve o lugar onde se conheceram as experiências De dentro da embarcação é possível observar a
pedagógicas que hoje inspiram a fazer esta análise. É belíssima paisagem de Levanzo, que, junto às outras que
apresentada a ilha de Favignana, situada no arquipélago formam o arquipélago, foi cenário de batalhas romanas9
Egadi, em uma breve contextualização histórica e social e dos traçados das viagens fantásticas de Ulisses, o
que fornece subsídios para situar a importância da escola Odisseu. Embora sejam teses levantadas por historiadores
local e de suas práticas pedagógicas na afirmação daquele e amantes da literatura, narrativas como essas ajudam a
território, levando em conta as diversidades entre os dois criar uma atmosfera imaginária das ilhas Egadi tais quais
contextos (Itália e Brasil)7. Em um segundo momento, são as cidades invisíveis de Calvino (2010) – imaginação e
relatadas as práticas que buscam no aporte pedagógico realidade se confundem; além de indissociáveis, ambas
das tecnologias digitais formas de romper com o são indispensáveis à compreensão das ilhas. Levanzo,
isolamento em que essas ilhas italianas se encontram. a possível ilha dos Ciclopes narrada em trechos da
Por fim, compartilha-se a busca por pontes (traduções) Odisseia, é a menor do arquipélago. De beleza paradisíaca
entre as práticas pedagógicas das ilhas e o “território” e quase toda montanhosa, ela é cortada por uma única rua.
de uma educação do campo brasileira nas suas recentes Suas casas de pedra, brancas e amontoadas, cujas vistas
aproximações com as tecnologias digitais. das janelas são pintadas de azul, convidam o passante
a contemplá-las. Entre a sua população, cada vez mais
Isola-mentos: reduzida, quase não há mais crianças. Talvez por isso, do
aliscafo avista-se uma vila bela e quase deserta.
a odisseia de um arquipélago
O destino final, Favignana, assim como as outras
É com o azul translúcido das pequenas ondas que ilhas Egadi, atualmente dependem predominantemente de
batem nas rochas de sua costa que as Ilhas Egadi abraçam um turismo sazonal para sobreviver. Os tempos áureos
os viajantes em um gesto de boas-vindas. Na maior e do desenvolvimento local deram lugar à especulação
mais populosa das três pequenas ilhas que compõem turística e imobiliária. Durante séculos, a ilha teve como
o arquipélago mediterrâneo, a cor clara das paredes de suas principais atividades econômicas a extração de tufo
pedra das casas reluz em contraste com o tom colorido (calcarenito – tipo de rocha arenítica) e a pesca de atum.
das portas e janelas.
A extração das rochas deixou marcas em Favignana.
As estradas são de pedra ou de chão batido, com a Grandes pedreiras formam cavernas, galerias e poços
rara exceção de um trecho de asfalto que conduz turistas cujas paredes guardam o formato anguloso dos blocos
e moradores às praias mais conhecidas da região. O de pedra dali retirados. Com o esgotamento da extração
centro é entrecortado por ruelas estreitas e sem calçadas, do mineral, as impressionantes pedreiras desativadas
lembrando uma cidadela medieval. As casas de pedra transformaram-se também em atração turística da região,
mantêm, em sua maioria, a cor bege clara natural da pedra juntando-se ao mar cristalino, à peculiar arquitetura pétrea
tufo, sem tinta e sem reboco, cuja espessura e estrutura das simples casas que formam o vilarejo, aos palacetes e
porosa garantem o conforto térmico necessário tanto para monumentos de outrora, à saborosa culinária siciliana, ao
os dias frios do rigoroso inverno quanto para o calor da carisma e à simpatia da população local.
temporada de verão.
Além do trabalho nas pedreiras, a ilha também viveu
O deslocamento até as Ilhas Egadi ajudou a di- tempos prósperos com a pesca do atum. Tão precioso para
mensionar o desafio cotidiano da população em geral, a economia local, hoje o peixe faz parte das narrativas dos
e dos professores em particular, para transitar entre antigos moradores que relembram saudosos os tempos
o arquipélogo e o continente (que na verdade é outra de fartura proporcionados pela abundância da pesca
ilha, a Sicília). Em função do mal tempo que perdura marítima. Favignana já foi o maior polo pesqueiro de
durante toda a temporada de inverno e deixa o mar
Educação (Porto Alegre, impresso), v. 38, n. 3, p. 424-433, set.-dez. 2015

