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Educação, território e tecnologias digitais 429
dois a três alunos por classe multisseriada/heterogênea13. e não apenas além-mar – perspectivas para a formação
A condição de trabalho oferecida aos professores de suas crianças em escolas que pensam uma educação
também não auxilia a valorização das escolas das ilhas. de qualidade, ou seja, igualitária e cidadã. Na ilha de
Como os professores não fazem parte das comunidades Levanzo, por exemplo, todas as 10 crianças com idade
locais, muitas vezes são substitutos ou iniciantes na entre 11 e 13 anos que lá habitavam e estudavam em 2012
carreira os que se dispõem a fazer o longo trajeto entre deveriam se transferir com suas famílias, no começo do
a casa no continente e o trabalho nas ilhas. Como não ano letivo de 2013, para Trapani, cidade mais próxima
é economicamente viável fazer esse deslocamento do continente, na região da Sicília, para cursar a Scuola
diariamente, eles permanecem de segunda a sexta-feira Superiore (com duração de três anos), nível de ensino não
à disposição das escolas, retornando para suas casas e oferecido na ilha.
famílias somente aos finais de semana, embora muitas
vezes, por questões meteorológicas, os professores sejam Partindo da realidade das pequenas escolas de ilhas
obrigados a permanecer nas ilhas, nos dias de descanso. e de montanha italianas, Pier Cesare Rivoltella (2013)14
Há uma grande rotatividade dos professores, que se ressalta que, mesmo que seja considerado caro manter
transferem para escolas no continente diante da primeira essas instituições a partir da lógica econômica mundial
oportunidade. Os docentes, além do deslocamento, – o que tem provocado o desaparecimento de muitas
precisam custear com seus próprios salários a habitação escolas públicas de pequeno porte tanto na Itália quanto
semanal na ilha, o que desencoraja a permanência no Brasil –, refletir sobre escolas de contextos não urbanos
de educadores fixos que possam dar continuidade às é também uma oportunidade importante para discutir
propostas pedagógicas ano após ano. as perspectivas das políticas educativas em geral. Para
Rivoltella, do ponto de vista social, é preciso considerar
Como, então, manter um ensino qualificado para os graves problemas que são provocados quando são
uma turma tão pequena, se os professores são em número fechadas as portas dessas instituições. Como se viu no
reduzido, o que não permite nem ao menos a oferta de papel exercido pelas escolas nas comunidades das ilhas
todas as disciplinas obrigatórias no currículo? Ampliando Egadi, Rivoltella demonstra que o empobrecimento de
o deslocamento semanal dos professores do continente oportunidades num território resulta no seu abandono
até as ilhas, à mercê das condições que frequentemente pelos jovens, que se transferem antecipadamente para as
impedem o trânsito marítimo? Ou levando as crianças até cidades. Do ponto de vista didático, o autor reforça, assim
uma escola no continente, separando-as de suas famílias como Rui Canário (2000), que as escolas pluriclasse
e de seu território? Ambas as possibilidades apresentam (comuns nesses contextos), “podem ser vistas como uma
problemas: o Estado não pode separar a criança do seio necessidade, mas também como uma oportunidade”, já
familiar, nem financiar, de acordo com o discurso de que “o professor é naturalmente levado a experimentar
contenção de gastos públicos, a ida de muitos professores metodologias e técnicas que em uma aula tradicional não
para atender a um número muito reduzido de alunos. Além conseguem espaço” (RIVOLTELLA, 2013, s.p, tradução
disso, com as atuais condições de trabalho e remuneração dos autores). Ele cita como exemplo o caso das didáticas
oferecida aos professores, poucos são os que se dispõem tutoriais15, trabalhos em pequenos grupos, aprendizagem
a assumir o compromisso com as escolas das ilhas. Desse entre pares (peer learning) e ensino recíproco (reciprocal
modo, vão-se as crianças, os jovens e adultos em idade teaching). Nesse sentido, Rivoltella sintetiza: “A coisa
produtiva, ficam os idosos e suas memórias. interessante é que nestas situações, a precariedade se
transforma em riqueza e a classe se transforma, com
Outra questão latente nas escolas das ilhas é o muito mais facilidade, em laboratório de inovações.
número reduzido de alunos. Duas crianças numa ilha não Isso permite apresentar aos pais a escola da pequena
formam uma classe. Precisam de trocas, de confrontos, comunidade (piccolo plesso) como uma oportunidade e
de desafios, de encontros com seus pares. E embora não como um improviso” (ibid.).
sejam só dois ou três alunos por classe, é obrigação do
Estado oferecer ensino regular a essas crianças e jovens. Alguns anos atrás, foi a partir da iniciativa local que
Porém, mesmo vencendo-se a barreira da regularidade os professores fixos das escolas, moradores das ilhas
do ensino, o reconhecimento da qualidade das escolas Egadi, conseguiram, utilizando o uso pedagógico das
das ilhas – legitimadas assim tanto diante das famílias mídias e o uso de ferramentas de Educação a Distância
quanto do Estado – é fundamental para a sobrevivência (EaD), proporcionar a esse pequeno grupo de alunos um
da rede de ensino local. E, tendo em vista o êxodo projeto educativo cuja qualidade e relevância substituíram
impulsionado pela busca de melhores condições de estudo a necessidade que as famílias possuíam de se mudar para
e trabalho, é também essencial para a sobrevivência da o continente em busca de uma melhor educação para os
própria comunidade. Apenas assim, as famílias sentem- seus filhos. Como os professores não chegavam às escolas,
se encorajadas a permanecer nas ilhas, enxergando ali – as crianças passaram a ir até os professores com o uso
Educação (Porto Alegre, impresso), v. 38, n. 3, p. 424-433, set.-dez. 2015

