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Educação, território e tecnologias digitais 425
Este artigo1 busca discutir a apropriação pedagógica perde sua população em um fluxo migratório de famílias
de tecnologias digitais nas escolas das Ilhas Egadi, no sul que avistam no continente a promessa de melhores
da Itália, visitadas em 2012, durante o período de estágio oportunidades de trabalho e de estudo.
sanduíche no exterior (Capes/PDSE)2. Ao se pesquisar a
inserção das tecnologias digitais nas escolas do campo Ao colocar essa realidade no exterior em diálogo
no Brasil, encontrou-se nas escolas isoladas italianas com o contexto brasileiro, novos questionamentos
um contexto que permitiu refletir sobre as dificuldades surgem sobre os papéis que as tecnologias digitais
que se enfrentam em nosso país e conhecer caminhos de podem desempenhar em propostas de educação voltadas
intervenção pedagógica que reforçam o papel social e ao exercício da cidadania. Trata-se de um desafio
político da escola nas comunidades. Essa aproximação metodológico ainda incipiente no Brasil que pode trazer
entre dois cenários distintos e geograficamente distantes importantes contribuições na articulação das escolas com
teve como inspiração o depoimento de uma professora os saberes locais e globais, na perspectiva da formação de
italiana que narrou suas experiências pedagógicas com sujeitos protagonistas em seus contextos e, acima de tudo,
o uso de tecnologias em um evento acadêmico3. Este na afirmação de suas reivindicações. Em tempos de uma
versava sobre o uso de dispositivos digitais móveis no tão alardeada sociedade da informação, que atuaria num
campo da aprendizagem. A vontade de conhecer melhor plano global, enfrenta-se o desafio posto por Jesús Martín-
o seu trabalho levou os autores ao arquipélago Egadi, Barbero5: é preciso romper com uma lógica de sociedade
formado por três ilhas que pertencem à região da Sicília, que desconhece seus próprios saberes. O conhecimento
sul da Itália: Favignana, Marettimo e Levanzo. construído em redes de escala global precisa estar
intimamente ligado a modos de agir localmente: “Pensar
A utilização do termo escolas isoladas4, para se globalmente, agir localmente” (Think global, act local),
referir às escolas de pequenas ilhas da Itália, destaca o como já ditava o slogan do ativismo ambientalista na
fato de que, em decorrência da localização geográfica, conferência da ONU, no Rio, em 1992 (ECO 92).
estas vivem condições diferentes das existentes na maior
parte das escolas daquele país: são escolas pequenas No entanto, quando se transpõe a reflexão para
com número reduzido de crianças; há predominância a realidade brasileira, outros desafios surgem. De acordo
de classes multisseriadas; existe dificuldade em contar com Boaventura de Souza Santos (2012), não existe
com professores de disciplinas específicas e de realizar o justiça global sem justiça cognitiva global e, para que um
transporte dos professores entre as ilhas e o continente; outro projeto de sociedade se efetive numa convergência
as escolas vivem a constante ameaça de fechamento de saberes, é preciso pensar numa tradução intercultural.
(nas contas orçamentárias dos governos, custa menos Para esse exercício, como mostra o autor, necessita-se
transportar as crianças para um centro urbano do que conhecer profundamente a história de cada contexto
manter a escola aberta). Já no Brasil, o isolamento é uma sociocultural. Desse modo, é impossível fazer uma
condição comum à maioria das escolas situadas no meio tradução intercultural de línguas que foram apagadas e
rural e também gerador de singularidades e dificuldades. de conhecimentos que foram suprimidos, marginalizados,
Desse modo, a oportunidade que se teve de conhecer in invalidados durante séculos. Ainda para Boaventura de
loco uma realidade sociocultural e econômica diferente Souza Santos, não há tradução intercultural sem justiça
da brasileira inspira a fazer um exercício de aproximação histórica: “Tradução intercultural é uma tentativa de criar
e tradução intercultural (SANTOS, 2012) entre práticas inteligibilidade entre diferentes saberes sem destruir
pedagógicas que foram observadas no exterior (escolas a identidade de nenhum deles. Isto, obviamente, é um
isoladas) e cenários educativos do país (escolas do exercício difícil” (ibid., s.p.).
campo).
Para reforçar a importância das escolas situadas em
Como particularidade, as escolas de ilhas do sul da contextos não urbanos, como é o caso das ilhas do sul
Itália elaboram estratégias que se apropriam política e da Itália e também das escolas do campo no Brasil, na
pedagogicamente das tecnologias digitais para buscar constituição de laços entre população e território, buscou-
romper com o isolamento cultural e geográfico a que se aporte teórico em Bonnal, Cazella e Delgado (2012). Na
estão submetidas. A opção pedagógica dessas escolas tem perspectiva da reflexão sobre o desenvolvimento territorial
como objetivo promover o protagonismo dos estudantes sustentável, eles afirmam que a pluralidade de definições
no processo educativo de reconhecimento coletivo das de território corresponde à diversidade das práticas de
demandas locais e a busca de suas soluções, bem como construção e de uso do território pelos atores sociais. Para
a construção coletiva de um sentimento de pertença à além do conceito geográfico, que compreende território
comunidade. Na luta pela manutenção e valorização de como “uma porção de espaço delimitado e qualificado
sua cultura, as escolas expressam o pedido de socorro e o por um caráter específico natural, cultural, político ou
grito de resistência de um arquipélago que pouco a pouco administrativo” (ibid, s.p.), definindo o que está dentro
e fora dele por suas fronteiras, os autores ressaltam
Educação (Porto Alegre, impresso), v. 38, n. 3, p. 424-433, set.-dez. 2015

